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parte_i_capitulo_05

V

Gastaram vinte minutos no percurso entre o cortiço e a casa do locatário do imóvel que pretendiam alugar. O diálogo entre os garotos e o locatário foi curto e conciso. Tudo ficou acertado rapidamente, e graças a Leonardo houve um abatimento de vinte por cento no valor do aluguel. Alex pagaria os primeiros três meses naquela tarde e receberia do senhor Carlos as chaves do imóvel naquele mesmo dia.

O locatário informou ainda que um interessado quase fechou com ele o aluguel no mês anterior, mas desistiu ao saber que uma linha telefônica fixa poderia demorar até meses para ser instalada naquela rua, mas que foi aprovada e caso os rapazes concordassem poderia ser instalada na semana seguinte. Alex entusiasmou por acreditar que poderia contatar o Tio comprometeu-se em adquiri-la.

A casa era um sobrado antigo, feito do melhor disponível em um tempo que não existia mais. No térreo tinha uma sala de estar bem definida, embora só tivesse um sofá, uma copa com cozinha americana, tendo no primeiro uma mesa retangular de madeira de lei com seis cadeiras do mesmo material. Um banheiro no fundo do imóvel para visita, e um pequeno para ser usado por quem usasse a longa piscina que tinha no quintal da frente junto de um longo espaço que foi um lindo jardim no passado, mas que hoje só tinha uma grama precisando ser cortada. A casa tinha apenas dois quartos e ficavam no andar superior, sendo uma suíte grande com uma cama de casal sem colchão, com banheiro em cerâmica e revestimento branco, ainda um escritório com um armário embutido que tomava toda parede e uma mesinha com uma única cadeira que por ser minúscula parecia abandonada naquele grande cômodo, neste cômodo também tinha um ar-condicionado que consumia horrores e recomendou o locatário que evitasse usar se não quisesse ter uma surpresa na conta de energia elétrica. O segundo quarto era mais completo que o a suíte por ter uma cama de solteiro com colchão coberto por um cobertor cinza claro, uma criado mudo do lado esquerdo da cabeceira, um guarda-roupa embutido tomando toda a parede e aos pés da cama a dois longos passos um mesa com muitas tomadas que fazia parecer uma bancada técnica.

Hoje os imóveis são de alvenaria, o telhado é colocado sobre estrutura de metal, os forros de teto são feitos de material sintético ou gesso, as piscinas de fibra cuja água quase nunca é trocada, tão somente limpada com uso de cloro, cloreto de cobre e aspirador. Tudo o oposto da casa alugada. Aqui as paredes eram pré-moldadas, a piscina de azulejos azuis, esvaziamento por comporta rustica direcionando a água para rede fluvial da rua. O imóvel com forro paulista envernizado. No exterior, meia parede era de pedra e no interior as paredes eram branca gelo.

Descobririam depois que o inquilino anterior era um psicólogo aposentado que veio do Sul planejando fazer ali um consultório para exercício da psicanálise, mas depois de um acidente vascular cerebral voltou para sua cidade natal levando tudo que coube em uma Kombi, deixando o restante dos móveis que foram empilhados em um cômodo na lateral do imóvel que servia como dispensa.

Não se demoraram, Leonardo seguiu para o hospital e Alex a uma agência bancária, combinando que se encontrariam no fim do dia. Feito o pagamento, Alex se adiantou a fazer a compras do essencial para o primeiro dia: alimentos, produtos de higiene e limpeza. Ao fim do dia os jovens se encontraram brevemente e mais alguns pormenores foram discutidos.

A segunda-feira parecia toda uma vida para Alex que caminhava solitário à beira da piscina. Léo não deveria estar com ele até quarta. Passaram poucas horas da noite antes que dormisse. O dia seguinte prometia ser para ele igualmente intenso.

E assim foi… Antes do nascer do sol o jovem iniciou a luta para alcançar seus objetivos.

A faculdade abria quando Alex chegou, cumprimentou o porteiro e conversou por alguns minutos um assunto começado pelo velho de bochechas rosadas e sorriso malicioso. Maria e Leonardo não demoraram a chegar.

— Não acredito no que Léo me contou. — disse Maria sinceramente surpresa.

— O que contou? — perguntou Alex bastante curioso, e por um instante teve medo que Léo não cumpriria o combinado.

— Da casa do seu tio, que ele tem aqui… — adiantou Léo.

Alex por não estar a par da falsa história, decidiu por não fazer comentários. Apenas sorriu, e afirmou como estava satisfeito que Léo o fizesse companhia.

— E espero que nos faça uma visita… — acrescentou ao sorriso.

Maria respondeu afirmativamente, depois se desculpou e seguiu para a aula.

— Como foi à noite na casa? — perguntou Léo

— Agradável.

— Alguma irregularidade?

— Como?

— Torneiras quebradas, chuveiros frios, algum estrago? Ou você comunica ao senhor Carlos os problemas deste tipo, ou terá que bancar tudo ao devolver o imóvel.

— O madeiramento até que está bem conservado, range um pouco quando caminho, mas tirando isto não há mais problemas, a não ser naturalmente, a piscina está muito suja, e o fato de não ter conseguido esvaziá-la.

— Sem problemas, meu pai irá trazer minhas coisas… disse Léo, e em tom de zombaria continuou — Vou lhe apresentar algumas amigas, venha…

O encontro de Alex com os universitários foi bastante descontraído. Léo não precisou mentir, apenas não disse toda a verdade, apresentou-o como um amigo e deixou que a simpatia fizesse o restante das apresentações. E nas duas horas que Léo esteve em aula, Alex teve quem o fizesse companhia.

Já à noite, o senhor Alberto, pai de Léo, pessoa divertida e extrovertida, mudou o semblante ao entrar no imóvel, apresentou-se rapidamente, e adentrou a casa observando atentamente tudo. Apesar da confiança que dava ao filho, algo em seu inconsciente esperava ver ali algo atípico. Mas não viu. Notava-se cautela aos cuidados com a casa. A única negligência era a piscina imunda. Mas Léo resolveu tão logo chegou. Tomou rapidamente intimidade com o mecanismo que a esvaziava, o ativou e não demorou mais que vinte minutos para que a piscina ficasse seca. Tudo graças a um rudimentar mecanismo que abria uma comporta de vinte por quinze centímetros no fundo desta.

— Estava ansioso em vir. — disse Léo justificando um dia de adiantamento em sua chegada.

Leonardo trouxe sua cama de casal, esperava substituir a cama de solteiro no quarto, mas Alex foi direito, disse que ele ficaria com o quarto e o amigo ficaria com a suíte. Léo discordou de forma enérgica, ele não ficaria com o quarto maior e com banheiro, se não seria ele a pagar o aluguel ou a maior parte dele. Alex foi direto e convincente. Não conseguiria dormir lá de forma alguma. Colocou defeito na janela enorme que fazia entrar muito sol, no banheiro que podia voltar cheiro, no fato de que o quarto que viveu os últimos dez anos era ainda menor do que o quarto. Nisto embora receoso Léo jogou seu colchão sobre a grade da cama de casal e organizou seus objetos pessoais na suíte.

As suítes já estavam ocupadas às vinte horas e trinta minutos, Léo trouxe o videocassete e a televisão que se encontrava no seu quarto na casa de seus pais, também trouxe filmes, que a seu gosto, eram esplendidos. Terminados o trabalho de organização dos quartos, comeram pizza e assistiram a um longa. Um rádio estava ligado, mas o volume era baixo. Permaneceram conversando toda a noite, Léo que inicialmente demonstrou constrangimento em fazer perguntas sobre a vida do jovem Alex, mas perguntou, e o novo companheiro te respondeu:

“— Se permite retenho-me aos últimos dez anos; a data que cheguei junto ao Tio no município de Catalão vindo do interior de São Paulo. O Tio comprou uma fazenda e a arrendou. Plantavam soja… te digo sem receio que o maior assunto do Tio era eu. Adotou-me como filho e não zelou de outra coisa nestes últimos anos. Deu-me educação que faltava. Lá estudei, não sai mais que duas ou três vezes por ano. Quase sempre na festa de Nossa Senhora do Rosário e a pecuária. Ia a uma Igreja num distrito próximo, era o último a chegar, me assentava no fundo, e na benção final já caminhava para fora… Sai sempre a pedido do Tio, por mim, continuaria lá até hoje. Digo que o mundo não me foi justo… E não lhe daria o gosto de me ver, se não fosse pela insistência do Tio”.

Léo ouviu sem pronunciar nem o mais sutil e ligeiro comentário, nem ao menos teve a menção de um suspiro. Observou o Alex cabisbaixo ao fim da narrativa, só então falou:

— Se dane o mundo! Você não pode perder sua vida por ele, seja lá o que ele lhe fez.

— Deixemos de mim…

— Bem minha vida foi intensa, o que quer saber? — disse Léo, se acomodando para uma narrativa que prometia ser extensa.

— Sobre Maria.

— Compreendo — disse Léo em um longo suspiro — vamos lá…

* * *

A manhã de quarta-feira foi divertida, Léo que ganhara mais algum tempo de sono acordara bem-disposto. Alex levantou junto ao amigo, e o fez companhia. Às vinte pra sete, saíram juntos, com destinos diferentes.

Léo, naturalmente como qualquer outro dia de semana, foi à faculdade, Alex à biblioteca onde iniciou estudos, buscando material para o livro.

Passaram-se horas em estudo, e dezenas de livros amontoaram sobre a mesa. Não parou um só minuto, não se alimentou não tomou água. Dedicou-se toda a manhã e tarde a intensiva análise de obras literárias. Concentrara se em livros recentes. A linguagem usada em clássicos do século dezoito e dezenove trazia ao rapaz estranha melancolia. A muito não se sentia tão bem como se sentiu naquelas horas em que esteve enfornado naquele pacato ambiente.

Houve um segundo quando estava debruçado sobre os livros que sentiu um jato frio de ar lhe atingir, seus pelos arrepiaram. Foi possuído por uma sensação inquietante, medo, solidão. Levantou lentamente e caminhou até a porta na busca por ar fresco. Que sensação horrível era aquela, faltava lhe ar, suas mãos estavam frias, seus passos pareciam vacilar.

“— Morreria hoje? — perguntou-se.”

O jovem olhou uma garota que acabara de se sentar à mesa próximo à entrada e que olhava com visível preocupação. Ele sorriu. A garota compreendeu que estivesse bem e retomou a leitura. Alex continuava a sorrir enquanto saia do Palácio da Cultura e seguia a uma praça na esquina entre a Avenida Brasil e a Avenida Goiás. Ali não demorou que a sensação passasse. A certeza de que um dia não mais se lembrasse daquele fato vez com que o jovem ficasse ali até que a noite caísse, só então retornou para casa.

Tamanha foi à surpresa ao retornar e ver Maria à beira da piscina ainda vazia.

— Boa noite! Maria. É bom vê-la aqui.

— Boa noite, Alex. É bom vê-lo também. Léo falou muito da sua casa, fiquei curiosa e decidi por vir.

— Estou feliz que tenha ficado curiosa.

— Então… A piscina. Ainda não inauguraram?

— Vê que não. Mas espero que não tarde.

— E não pode tardar mesmo… — disse a jovem à beira com as pernas para dentro do fosso seco.

Alex a acompanhou, no quarto de cima Léo observou que os dois sentavam e decidiu por deixá-los sozinhos um pouco.

— Espero que apareça com frequência, talvez não saiba como é bom pra gente sua visita. Digo por mim. Não quero que pense que estou com complexo de menino mal-amado, mas estou um tanto sozinho. Eu tenho o Léo, mas não quero ficar pentelhando.

— Estranho… — disse Maria enquanto se virava para olhá-lo nos olhos. — Léo disse que você passou muito tempo em uma fazenda, que não se importava em ficar sozinho…

— Falou demais… — sussurrou Alex tão baixo que Maria não ouviu.

— Isto é verdade?

— É… mas estou em um ambiente diferente… Sinto-me sozinho…

— Não precisa se explicar.

— Pode ser apenas uma desculpa para que você venha aqui mais vezes.

— Aonde você quer chegar.

— Eu…eu… — Alex estava nervoso — Não é oportuno.

— Oportuno? O quê?

— Cadê o Léo?

— Disse que ia pegar algum dinheiro. Por que não é oportuno?

Quando Léo retornou, Alex estava em pé caminhando em volta da piscina, esforçando para criar uma desculpa.

— Preciso ir à Goiânia volto amanhã. — disse Léo se aproximando.

— Tudo bem! — disse Alex como se aliviado.

Alex sentiu solidão ao ver Maria e Léo partindo, sentimento que doeu, até que Maria voltasse a ele e dissesse:

— Eu venho sábado passar o dia com vocês. Até!

Seria desperdício de palavras descrever a alegria de Alex.

“— Ele a amava?”

“— Sim, mesmo que não pudesse compreender o porquê”.

* * *

A semana passou rápido, foram os dias infinitos que inquietaram nosso amigo, nosso herói que na sexta-feira deixou os estudos para se aplicar exclusivamente aos cuidados da casa para deixá-la com a melhor aparência possível para a importante visita. A geladeira cheia, banheiros higienizados de forma impecável.

— Rosas. — sugeriu Léo.

A ideia foi desprezada por Alex, não por achá-la ruim, mas tão somente por não saber como entregá-las. O trabalho conjunto dos garotos terminou a uma hora da manhã. Seguindo o conselho de Léo, Alex dormiu mesmo não sabendo em que aquilo poderia ajudá-lo.

No sábado

Diferente de todos os dias em que misteriosamente Alex acordava na hora desejada, sem a necessidade de um despertador, naquele dia ele continuava dormindo, já passado das nove horas. Maria não demoraria chegar — pensava Léo. Por que acordá-lo? O jovem dormia calmamente, parecia sentir-se excelente. Assim Léo retirou da geladeira uma pequena embalagem de suco, enquanto bebia ativou o mecanismo que encheria a piscina já limpa.

Quinze minutos para dez, Maria chegou. Tão logo soube que Alex continuava a dormir, seguiu para o quarto.

— Dormindo! — exclamou Maria junto à cama — São dez horas!

Alex, embaraçado, sentou, estava de cueca, cobriu-se rapidamente, sentia uma vergonha que faltava a Maria.

— Desculpe. — disse Alex com sinceridade e humildade.

— Desculpas o quê? Levanta, vai!

Alex levantou usando a coberta para tampar sua vergonha. A jovem rindo as gargalhadas seguiu para cozinha. Momentos depois os dois rapazes se encontraram no corredor, Alex estava assustado, pálido.

— Está vendo porque achei melhor mudar para cá. Ela era minha vizinha. — disse Léo.

Os garotos preparavam o almoço. Alex tinha agilidade ao cortar legumes, Léo tinha paladar refinado, Maria dava ao almoço a estética que faltava.

— Acredita que ela não demora mais que vinte minutos para esvaziar — disse Léo a Maria que notava a lentidão em que a piscina enchia.

Alex sentia a cada fato mais atraído pela pequena Maria. Léo notou, e manteve por muitos momentos distante. Momentos em que o casal se distraia em maduro e entusiasmado diálogo. Em foco o presente, descrito de várias formas possíveis.

— Quero escrever um romance, decidiu Alex ao ver o sorriso de Maria ao saber que ele desejava escrever um livro.

— Se permiti, quero ler antes que publique.

— Claro que permito, Léo me deu umas dicas e eu fiz uma pesquisa de preço, logo teremos um computador. Orgulha-me muito que leia.

— Que isto! Eu não sou uma boa crítica, só curiosa.

— Como já disse. Estou feliz que seja curiosa.

A tarde passou, nadaram, bronzearam e Léo viu um filme de duas horas sem que Alex ou Maria notasse sua ausência.

Novamente juntos na cozinha prepararam algo que substituiria o jantar. Uma torta salgada. Comeram com prazer e trinta minutos depois, as dezenove e vinte, Maria se despediu.

— Espere um momentinho… — disse Léo arrastando Alex para seu quarto.

No quarto.

— Então? — perguntou Léo

— Ela está indo embora… o que tem?

— Ela está indo embora!

— Eu sei, foi o que’eu disse…

— Não irá falar nada?

— Falar o quê?

— Não me faça ficar perguntando… Você vai falar?

Alex pensou alguns segundos.

— Eu sou apaixonado por ela.

— Isso garoto! — disse Léo com um grande sorriso.

— Não vou falar.

— Quê?!

— Eu acabo de conhecê-la.

— Você tem dúvidas do que sente? O que é?

— Não tenho nenhuma dúvida. Sei que não é tempo.

— Fica a seu julgamento. Vá primeiro, ela está indo embora. Eu desço daqui a pouco… Fala logo!

Alex encontrou Maria à porta. Eles se olharam, parecia tolo, mas depois de tudo o que conversaram naquela tarde ainda havia algo a dizer. O jovem cuja natureza não permitia maior contato, estendeu o braço e lhe apertou a mão com força. Podia ser ilusão causada pelo nervosismo, pela confusão de seu inconsciente, Alex viu vibrar radiante na face de Maria, um espectro que dava a entender uma aproximação do rosto da moça ao seu. Ele viu que ela desejava um beijo.

— Hurru! — gritava Alex horas depois enquanto nadava sozinho.

Léo o observava atentamente da varanda do seu quarto.

— Ele não disse nada! Ele está alegre! Ele parece que gostou! É ele gostou!

parte_i_capitulo_05.txt · Última modificação: 17/01/2024 20:29 por admin

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