IX
Enquanto Alex filosofava sobre seu amor, o médico, nosso antagonista por acidente, já planejava visitar Maria.
Queria deixar que a porta do banheiro emperrasse, fazer com que o pobre solteirão residente de medicina, ficasse lá gritando pela janela, e que alguém ao passar por àquelas horas na calçada, em plena rua deserta temesse aqueles gritos e corresse abandonando-o. Claro alguém iria socorrê-lo, mas somente horas depois, quando a visita já se fizesse inoportuna. Não posso, devo deixar que as coisas aconteçam, e assim deixando; o médico chegou às vinte horas na casa de Maria, em Goiânia.
O espertalhão de comportamento libertino desceu de seu veículo vermelho feio, e seguiu caminhando como se desfilasse por uma passarela.
— Você! — exclamou Maria admirada ao vê-lo aproximar do portão.
Sem rodeios foi logo pegando-a pela cintura. Sorte que a pequena Maria, que mantinha sempre um comportamento acautelado, abraçou-o com força, evitando o pior. Ela apresentou-o como A-MI-GO a todos em casa. O infeliz fez luxo e não quis jantar. Esparramou-se no sofá como se estivesse em sua quitinete, alugado como o dinheiro do tabelião aposentado, que por insistência de sua mãe, acabara por chamar de pai.
O atrevido colocou-se a par da inexistência de um relacionamento amoroso, já com segundas intenções. Armado o bote, a convidou para uma voltinha.
Maria disse estar cansada, alegou haver bons filmes para assistir, mas o deletério a olhou com um olhar de menosprezo, e Maria acabou por ceder. Foram para um bar perto, Maria que já havia jantado não tinha apetite. O doutor que alegara não jantar por não ter apetite, agora ingeria grandes quantidades de caldos dos potinhos de cerâmica. O lazarado tentava confundir a estudante de farmácia com o nome de uma nova fórmula química desconhecida. O desavergonhado abrangia tanto em suas descrições alguns medicamentos que fazia do mertiolate uma substância de altamente complexa.
Alguns ali que ouviam o diálogo engoliam seco, ao ouvirem sobre os males do mercúrio.
A mocinha inteligente, não se levava a conversa de adido do bandido. Mas em um ponto o admirava. Era claro em meio aquelas descrições do futuro, em que o doutor os colocava trabalhando em algo juntos, em meio aquelas promessas pouco sutis; haver pretensões de conquistá-la. “Mulheres admiram isto, mesmo que não confessem”. Tudo aceitável, muitos fariam o mesmo. Não que por isto eu tenha que narrar serenamente, mas vamos em frente…
Tudo normal até que o insolente decidiu por convidá-la a um lugar mais tranquilo.
— Tranquilo? Estou muito cansada.
— Vou te levar em casa. Sei que a semana foi difícil. Desculpe-me se não te peguei ao final do expediente. É que tive que realizar uma cirurgia complicadíssima. Vim aqui porque queria muito lhe ver. Sei que foi muito rápido nos conhecemos a tão pouco tempo, mas… estou apaixonado. Sei que existe um risco em minha declaração tão adiantada. Mas a sinceridade é tudo, e eu não poderia estender-me, eu preciso dizer que te amo.
Maria armou um sorriso discreto por alguns segundos sem pronunciar palavras. Tão logo o desfez, o Doutor se desculpou novamente:
— Desculpe-me, não queria ofendê-la. E nem penso que possa ofendê-la, isto porque, o que sinto, é lindo. Quero namorar você. — disse o médico enquanto se curvava para beijá-la.
Maria não ofereceu nenhuma resistência.
* * *
De volta à casa, agora sozinha, o telefone toca, Maria atende, era Alex:
— Boa noite, como está?
— Bem, acabei de chegar em casa, encontrei um amigo, ele é muito legal.
— Compreendo.
— Foi muito legal. E você como está?
— Na mesma, sem novidades, a não ser meus textos, minhas histórias.
— Hum, bom. E o Léo?
— Apaixonado, acho.
— A Sandrinha?
— Esta mesma.
— Ele falou dela.
Uma pausa de setes segundos, estranho silêncio.
— Vai fazer algo amanhã? — perguntou Alex.
— Ficar em casa um pouco, passo toda a semana fora de casa, neste sábado vou passar com minha família.
— Quer ir ao cinema?
— Hum. — sussurrou Maria enquanto pensava — Meu afilhado vem me visitar; eu tenho que ajudar meus pais.
— Pode ser a tarde, ou no fim da noite. Vou passar o dia em Goiânia.
— Não vai dar.
— Tudo bem, mas já que vou passar em Goiânia, posso dar uma passadinha aí.
— Eu vou levar meu sobrinho para fazer algumas coisas por perto, ele vai tirar umas fotos.
— Então, podemos ir.
— Vamos deixar para outra hora. — disse Maria fechando o diálogo.
— Então, tchau.
— Tchau.