VII
LEONARDO
Era sexta-feira. Tentava relaxar e esquecer de tudo que pudesse, segunda-feira volta à normalidade. Estava na casa dos meus pais e despreguiçava no sofá, quando o telefone tocou, era Maria:
— Bom Léo! Os meninos marcaram uma festa amanhã na chácara da mãe de Eduardo.
Hesitei um pouco, na verdade, muito, não queria ir, lembrei de Alex, Maria estaria lá, quem sabe…
— Posso convidar alguém? Alex?
— O Eduardo não gosta que leve outras pessoas, mas Alex terá a nós como referência.
As festas de Eduardo eram reuniões de quinze ou vinte pessoas todas de um grupo bastante seleto. Apesar de não estar neste grupo, Alex conhecia além de mim, Maria e alguns outros colegas que demonstraram sempre boa simpatia por ele. Assim logo que desliguei. Telefonei para ele que não demorou mais do que um segundo para atender, sendo certo que estivesse no computador. Fiz o convite para festa. Ele recusou duas vezes antes que eu o convencesse. Então retornei para Anápolis onde ficava a chácara. Estranhei ao notar que a da casa embora impecável, agora era azul. Não gostei da cor, Alex confessou que se envolvera em seu texto e que acabara por realizar algumas coisas que chamou de “diferente”. Seu cabelo estava grande, grande demais para um mês. Perguntei como era possível aquilo, ele apenas sorriu discretamente. Sua pele era mais bronzeada, seus olhos um pouquinho mais claro, talvez pelas pupilas que não estavam dilatadas como de costume.
Fui constatando as diferenças: parecia mais magro. Meu Deus ele tinha barbas! Seria o mesmo? Julgo que sim, realizei algumas perguntas; ele se saiu bem. Chamou-me ao escritório, pediu que eu me deitasse em um divã retirado da despensa da casa durante as férias. Deitei até bastante relaxado. Eram dezoito horas e eu estava cansado, cansado de não fazer nada…
Estranhei quando me disse para eu fechar os olhos.
— Vai me hipnotizar? — perguntei
— Sim a não ser que você não queira.
Respondi apenas fechando os olhos, não me lembro de nada o que aconteceu.
Quando dei por mim, olhava fixamente o relógio, passaram quinze minutos. Nada parecia ter acontecido. De certo cochilei.
Alex perguntou como foi minhas férias, respondi que foram boas e lamentei que ele não estivesse lá. Ele estava alegre.
Lembro que senti um vazio, algo me faltava, algo nele me estranhava. Como se eu tivesse esquecido algo. O que seria?
Havia um mistério, algo que eu sentia, mas não conseguia ver. O médico, Maria e Alex. Certo era apenas que alguém guardava um grande segredo. Quem guardava este segredo? Qual segredo era? Por que sentia isto? Estas coisas intrigaram-me durante toda noite.
* * *
Os primeiros dos dezoito convidados chegaram à festa às dezenove horas. Alex foi recebido de forma muito simpática por Marlene, namorada de Eduardo, ao notar que este era acompanhado por Maria.
— Seu namorado? — perguntou Marlene.
— É! — respondeu Maria antes de suspirar e responder com descontração: este é Alex um amigão, meu e de Leonardo.
Foram organizadas duas mesas de truco e todos ali se concentraram à órbita destas. Os diálogos mantinham-se entre grupos de três ou quatro. Alex sempre próximo a Léo, caminhavam por entre as mesas.
— O que você está esperando. Que ela caia nos seus braços? — disse Léo assim que surgiu a oportunidade.
— Agora parece fácil, não é?
— Do que você está falando? Não! — indagou Léo — Não responda. Não quero saber. Vá agora lá, falar com ela.
— Falar o quê?
— O que você quer? — perguntou Léo encarando o amigo e segurando em seus ombros.
— Quero abraçá-la e beijá-la…
— Então vai lá e fale isto a ela, oras!
Alex não pronunciou nenhum comentário. Tomou trajetória retilínea até Maria. Sorriu discretamente ao aproximar.
— Boa festa… — disse Alex substituindo o que tinha sincero a ser dito.
— Acha mesmo? Estou achando monótona demais.
— Confesso a você que também não a acho assim; assim! Mas é bom ver você depois de tanto tempo.
— Eu também gosto de ver você.
— Obrigado. — agradeceu Alex já rubro.
— Então, bom…
— Bom mesmo…
— O que você fez nestas férias. Além do que me contou pelo telefone. — penso que Maria quis falar sobre a aparência dele, mas não fez.
— Além de escrever que foi o que lhe contei, eu conversei com alguns amigos da Internet, fui à biblioteca, conheci mais algumas pessoas, comerciantes do centro muito simpáticos, conversei bastante com eles.
— Festas? Saiu?
— Nenhuma festa, estive em Goiânia uma tarde levar um original para a seleção de novos autores. Vi algumas fitas recomendadas pelo Léo. E cá pra nós, gosto muito estranho. Houve uma festa sim! Um aniversário de três anos do filho do vizinho. Comi brigadeiro, cajuzinhos e quindins até ter uma dor de barriga sem precedentes. Foi bom…
— É bom, chato é ficar sozinho.
— Também acho… se acho! A solidão me persegue.
— A solidão te persegue!? — se interessou Maria — É sozinho porque quer.
— Não posso dizer que’eu seja sozinho.
— Digo sozinho, você sabe, sem ter ninguém com você… algo mais…
Alex pensou por alguns segundos.
— Ahaa, sei. Verdade é que eu não acho assim tão fácil.
Maria fez cara de quem estranhava as palavras que ouvia, não questionou, mudariam de assunto. Apesar de Alex resumir tanto os acontecimentos daquele mês verdade era que muito tinham a falar.
Léo observava sempre a certa distância, não se permitindo atrapalhar. Apesar das muitas coisas que todos tinham a contar, já à meia-noite, a maioria dos convidados, de um total de trinta e dois, já se despediram. A carona que levou Maria na casa dos seus tios, deixou os companheiros Alex e Léo na grande Avenida Brasil.
— Faltam menos que dois meses para completar um ano que você a conhece. — disse Léo — Você é apaixonado… Quantas coisas aconteceram com vocês dois, mesmo assim, nunca disse nada. Já poderiam estar namorando, mas… Não compreendo, e isto nem me estranha tanto. O que incomoda é que chegou a um ponto que passei a ver isto com naturalidade. Eu devia ter pegado no seu pé há sete, oito meses, e não fiz. Isto é que me encabula, como deixei?
— Você é um ótimo amigo, não vejo como poderia ter sido mais prestativo.
— Ok, mas Maria está aqui, vocês não estão comprometidos, você perdeu todo o sábado, mas amanhã será domingo, e você falará.
— Não, as coisas não podem ser assim. — afirmou Alex com o tom de quem tem a verdade.
— E deve ser como? Você com este amor platônico, chateando Maria até quando? Até ela não suporte mais suas bajulações… Muitas coisas podem passar na cabeça de uma mulher e fazer com que ela não possa sentir mais nada por você, e aí você ficará o resto da vida como um frustrado que por covardia perdeu a garota que amava.
— Ela me ama?
— Você tem que perguntar isto a ela.
— O que eu falo?
— Ah, então o que você precisa é só de alguns conselhos… Sou a pessoa certa. — disse Léo com grande sorriso — Ligue para ela e diga que você está apaixonado e não consegue mais guardar isto.
— Não posso dizer isto pelo telefone, seria uma indelicadeza.
— Se quer falar olhando nos olhos, então vá até ela. Chegando você passa a mão na cintura dela, olha olhos nos olhos, então diga o que sente, claro que você não deve ir logo dizendo, eu te amo, diga que se apaixonou por ela, alguns elogios… se ela levar tudo na boa, você a beija.
— Sei não, acho vulgar demais.
— Vulgar! Vulgar o quê? Homem!
— E se ela não estiver apaixonada por mim. Se ela ficar com pena, ou me der um beijo de considerarão.
— Beijo de consideração! Que diabos é isto?
— Estou apaixonado por ela, e veja como me comporto. É obvio demais que ela não esteja apaixonada por mim.
— Isto é paranoia, você vai esperar o príncipe encantado que adentra o castelo olha nos teus olhos e se apaixona.
— Não, só quero saber se ela está apaixonada por mim.
— Faça ela se apaixonar por você.
— É o que estou tentando nos últimos meses.
— E você já viu alguém se apaixonar por telefonemas, flores ou porque achou alguém simpático. Não amigo, pegue ela nos braços e a faça sentir paixão.
Naquela noite Alex não dormiu bem. Léo o avisou que ligaria para Maria na manhã e a convidaria para o almoço. Intimou também, mas palavras dele, a “tomar atitudes mais claras”.
O dito foi cumprido. Na manhã, Léo ligou para Maria, que aceitou o convite para o almoço.
Léo não demorou mais que cinco minutos para arrumar sua mochila e sair, indo para Goiânia.
“— E eu mentirei para ela? — perguntou Alex com receio.
“— Não minta! Diga que fui para ajudar um amigo.
Na cozinha um pequeno papel tinha a sugestão para o almoço e o fone do delivery, a sobremesa deveria ser feita pelo rapaz, crepes de morango com sorvete ao rum. Alex arrumou a mesa, organizando cuidadosamente os talheres e pratos, separou toalhas limpas para o banho na piscina, buscou fitas de vídeo. “Talvez sejam úteis”, pensou.
Às onze e meia a campainha tocou, era Maria, que adentrou com leve e desconfiado sorriso:
— Vim almoçar. — disse enquanto adentrava — Cadê o Léo?
— Infelizmente ele teve que ir para Goiânia, Ele, ele, não queria ir… — disse Alex vacilando.
— Algo sério? — perguntou com sincera preocupação.
— Disse precisar ir para ajudar um amigo. Ele queria ficar aqui.
Alex não sabia mentir, o timbre da voz mudava totalmente quando mentia.
— Amigo, quem?
— Não penso que você conheça. Não sei.
— Então não tem almoço. — disse Maria mudando seu sorriso por um menos entusiasmado, mas consolador.
— Não! Fiz, quer dizer comprei o almoço, fiz sobremesa.
— Comprou?
— Como o Léo não estava não me animei a fazer nada, achei mais conveniente comprar, você come comigo, né?
— Então, vamos. Não vou me tardar, tenho que voltar para casa de minha tia, prometi que as dezessete sairia daqui.
Maria estranhou a mesa, a colocação de dois pratos, os talheres, a comida. Teve certeza que nada forçou Leonardo a ir para Goiânia, mas mesmo com a mentira sentiu-se bem. Porque não o sentiria, estava sendo homenageada, Alex não economizava gentilezas e se tornava bastante agradável. Conversaram bastante enquanto comiam. O anfitrião exigiu que jovem deixasse apetite para comer o Crepe preparado com tanto carinho.
A comida estava ótima. Assistiram a um filme, enquanto comiam os crepes, se divertiram bastante, muitos comentários e brincadeiras faziam parte do enredo desta história. Faltou um banho na piscina, mas Maria não trouxe biquíni. Tudo conservava intenso entusiasmo até trinta minutos para dezessete horas. Maria haveria de partir e a obrigação do ritual da declaração apaixonada deixava Alex tenso. Nisto os minutos se passavam, segundo a segundo cada instante mais inquietante.
— Tem mesmo que ir às dezessete horas? — disse Alex, relembrando a jovem à necessidade da partida, que há muito não se lembrava.
— Sim. Foi bom estar aqui.
— Foi mesmo, outros dias serão melhores…
O jovem ocultou seu sorriso e até a hora da partida não conseguiu estampá-lo por mais que poucos segundos. Maria fitava-o sempre nos olhos, ele sorria forçosamente o que podia, mantendo os olhos fixos. Um flertar corajoso que muito dizia.
Enquanto se despediam e caminhavam até o portão, Alex adiantou-se a segurá-la a mão. Maria não ofereceu nenhuma resistência. Os jovens fitaram-se e Maria não vendo acontecer mais nada pressionou lhe fortemente a mão e agradeceu novamente:
— Foi muito bom, Alex.
— Foi muito bom mesmo, Maria.
— Então até.
— Até…
Maria partiu. Alex a seguiu com os olhos até que virasse a esquina. Ele não poderia reclamar de seu dia, fora maravilhoso. Contudo, algo em sua mente o incomodava, sentia-se fraco e entediado.