II
Ao oposto de tudo que se podia esperar, a revelação não mudou a rotina de Léo. Segunda-feira retornou a faculdade e ao hospital. Já Alex, abateu-se depois da revelação, temia que não o vissem da mesma forma. Tinha medo. Talvez pensassem que ele não necessitasse de ajuda.
O computador foi entregue. O técnico de nome Renan que alongou uma explicação diferenciando computador, microcomputador e supercomputador, mas ao final deixou devidamente instalado, com o cabo telefônico conectado ao modem. Alex saltou sobre o equipamento com entusiasmo. Como prometido pelo vendedor ao colocar o CD no drive de leitura e gravação, iniciou um curso com vídeos e era detalhadamente passado as instruções mais básicas: ligar, desligar. Movimentou o mouse e observou o cursor, clique após clique, lia todos os textos, principalmente os de ajuda, foleava as revistas que comprou. Sabia datilografar graças a Tiburtino, e, às dezoito horas quando Léo retornou, Alex já demonstrava habilidade no uso da máquina. Léo que já utilizava o computador no trabalho e no laboratório da faculdade tinha bom conhecimento.
Embora Alex estivesse agitado com a experiência do dia, Léo permaneceu calado, segurava os talheres, faca e garfo, enquanto olhavam o amigo que, parecendo ter lido os pensamentos do companheiro, silenciou e manteve-se cabisbaixo. A tristeza era uma paranoia difícil de compreender: sentia-se um traidor, sentia-se mal.
— Você já se cortou? — perguntou Léo segurando a faca.
— Já…
— E como foi?
— Doeu… Ruim… Não seria?
— É claro, mas como você é imortal pensei que não pudesse se machucar.
— Não sou o super-homem.
— E se você for atropelado ou perder um membro. A cabeça?
— Credo!
— Ou se seu corpo for incinerado, moído.
— Para! — gritou Alex que sentia náuseas só de imaginar.
— Diz que nunca pensou nisto.
— Eu não me torturo com estes pensamentos.
— Por que não fazemos uma pequena incisão pra observar o que acontece. — sugeriu Léo já se levantando com a faca.
— Claro que não! Você está maluco!
— É só um pequeno corte, temos que saber se você tem hemorragia, ou não.
— É claro que'eu tenho sangue…
Léo levantou e segurando a faca, persegui Alex da cozinha a sala, de lá ao quintal.
— Vem aqui! Seja homem, precisamos saber…
— Você precisa saber…. Sai daqui! Ficou maluco?
Alex escorregou a beira da piscina, caiu sentado, Léo aproveitou agachou próximo.
— Você deixa, não?
— Não!
— Deixa?
— Não!
— Deixa!
— Só um furinho. — disse Alex demonstrando intensa ojeriza — Aiiiii!.
— Ponto. Agora me deixa ver.
Léo olhou atento o corte feito na coxa e questionou:
— Não vai sumir?
— Costumava…
— Credo tá saindo muito sangue. — disse Léo com um fio de arrependimento. — Não deveria cicatrizar rapidamente?
— Deveria, mas não está…
— Você é imortal ou não é? Deste jeito irá morrer com uma hemorragia.
— Muito consolador de sua parte… Agora, cale-se e vá buscar um pano!
Que imortalzinho de nada. — sussurro Léo enquanto caminhava retornando a casa.
A campainha tocou, Alex que estava nervoso, diminuiu o ritmo da respiração e enquanto se acalmava notou que a hemorragia estancava. O corte ainda era visível.
Que alegria teve ao abrir o portão e ver Maria. Léo retornou com um pano e um sorrisinho sarcástico:
— Ele se machucou com a faca.
Maria olhou o ferimento que parecia insignificante.
— Um arranhãozinho.
— Qual é o motivo desta visita? — perguntou Léo
— Ela não precisa de motivos para vir aqui. — interveio Alex
— Uhm! — insinuou Léo.
— Não tinha o que fazer a noite em Goiânia e decidi por vir. Pensei em vistoriar a casa e ver como estão se comportando. Já observei o quarto de Léo e não acreditei na organização e limpeza que constatei aqui na última vez. — Maria já chegava à sala e o que via dava base a sua preocupação.
Os incidentes do afogamento, no Domingo, o computador que chegou, foram alguns dos motivos que levaram ao desleixo com a organização da casa. A embalagem do computador e a do suco que Léo bebia ao ver Alex afogado estava jogada em um canto da junto a porta da cozinha.
— Eu estava certa. — afirmou Maria.
Alex correu a cozinha pegou um saco plástico e enquanto recolhia tudo o que via fora do lugar, comentou:
— Tivemos muitas novidades nos últimos dias. Para você um computador pode ser simples, mas para mim, é muito.
— Posso ver?
— Claro, vamos…
No quarto.
— Está bagunçado, desculpe-me. Estive o dia escrevendo e descrevendo algumas coisas, queria deixar escrito tudo o que aconteceu, mas não consigo datilografar o texto.
— Digitar?
— É digitar. Já escrevi algo, veja:
“Quanto tempo!“. Era esta a frase que rondava meu único pensamento na manhã em que cheguei. Desembarquei ao meio-dia, caminhei pelas proximidades. A rodoviária parecia deserta, eu nunca tinha estado ali, talvez sempre fosse assim. Um taxista…
— Então eu lhe encontrei. Sentado sozinho no banco da frente, como se reservasse o banco pra mim.
— É verdade. Talvez eu soubesse que iria te encontrar.
— Talvez…
— Por que não continua?
— Não é uma má ideia.
— Vou buscar papel.
— Não posso escrever aqui, no computador?
— Pode sim… mas é que eu não conheço muito ainda. — disse Alex com semblante decepcionado e envergonhado.
— Sei digitar, obrigada. — disse Maria já tomando o teclado e abrindo o editor de texto começou a escrever:
A Igreja estava cheia quando cheguei, caminhe no corredor entre as fileiras formadas pela poltrona esperando encontrar ali meus tios que costumavam deixar uma folga, que muito me serviria. O dia tinha sido difícil! […] Ele levantou-se rapidamente e mostrou-me o assento erguendo as mãos levemente. “Por favor” — disse.
— Você se lembra! — exclamou Alex orgulhoso.
— Claro que sim. Eu não esqueceria.
Maria sorriu levemente, pois sabia dos sentimentos que Alex tinha por ela. Léo que cuidara de esconder o grosso da bagunça, acabava de entrar no quarto:
— Espero que eu não esteja atrapalhando nada.
— Não está. Veja o início de nosso romance. — disse Maria.
A palavra romance soou estranhamente, todos se calaram por alguns segundos e depois sorriram. Léo leu rapidamente o texto e voltou a sorrir:
— Estão bem mais adiantados do que pensei. — sussurro Léo.
— Quê? — perguntou Maria.
— Nada. Quero acrescentar algo!
— Comessem vou ao banheiro. — disse Maria.
Léo tomou o teclado e começou a digitar:
E como diz meu amigo Alex: “Eles estavam naquilo que chamavam destino”. Lá, ele e ela juntos. Não demorou até que a missa começasse…