Ferramentas do usuário

Ferramentas do site


parte_i_capitulo_03

<< Voltar

III

Logo terminada a missa, os dois jovens seguiram pela Avenida Goiás sentido Avenida Brasil. Passaram três minutos antes que a jovem com feição pudica iniciasse o diálogo com uma pergunta:

— Ria de quê?

— Na missa? Não sei direito, achei graça…

— Achou graça e começou a rir sem qualquer constrangimento?

— Exato! Como você pode ver.

— O que pode passar de tão engraçado na cabeça de alguém ao ouvir o Evangelho? — Maria fez uma pausa, e interrompeu antes que o rapaz respondesse — Por favor, não me responda!

Alguns segundos, retomado o fôlego perdido pelos passos rápidos, Maria continuou:

— Você mora por aqui?

— Não. Cheguei aqui ontem ao meio-dia, me hospedei num hotel na Avenida Brasil, próximo ao que vocês chamam Distrito Industrial.

— E já na Igreja?

— Sim, é um costume que aprendi com o Tio.

— Bom costume… e sua família?

— Sem família. Vim sozinho… — hesitou o jovem, distanciando o pensamento — Não tenho família, só o Tio.

— Seu tio é sua família, então. Pense positivo.

— Claro, é tudo o que’eu tenho. E você, mora por aqui? — perguntou o jovem por nada lhe passar na mente.

— Não. Moro em Goiânia, mas trabalho e estudo aqui.

— E vai para missa também…

— É sempre vou, mas em Goiânia. Hoje trabalhei até tarde, e se'eu fosse pra Goiânia, não chegaria a tempo de ir à missa lá.

— Posso deduzir algumas coisas?

— O quê?

— Se me permite, eu digo que você é alguém muito extrovertida e alegre, mas hoje trabalhou muito, continua com as roupas que trabalha, e como está cansada mantém esta cara fechada, séria.

— Nossa! Estou tão mal assim?

— Vou ser sincero, está sim?

— Ok! Senhor Sincero. Qual é seu nome?

Ao longe, o rapaz observou um senhor que se aproximava lentamente. Em sua camisa um crachá com o primeiro nome em itálico: Alexandre

— Alex, meu nome é Alex. — respondeu o jovem dando entonação aguda ao “a”.

— Prazer Alex, o meu é…

— Maria. — Interrompendo-a, completando apressadamente.

— Como sabe?

— É a desculpa de sempre… li num bordado, no crachá do seu trabalho, em algum objeto pessoal… Bem, pra ser exato, vi quando retirou seu crachá do bolso das calças e o colocou na bolsa de material escolar; vejo que também é universitária.

— É mesmo observador. — comentou Maria enquanto procurava na fisionomia do rapaz algum traço de sua personalidade.

— Sou sim, e atrevido também — afirmou Alex enquanto mantinha armado um grande sorriso no rosto.

Os jovens conversaram durante todo o percurso entre a Igreja e o Palácio da Cultura. Levando treze minutos. Alex esperou que o ônibus partisse, então seguiu a um longo degrau formado pela elevação do pavimento do prédio, e ali esperou.

Os ônibus passaram um a um. Já a meia-noite o motorista do último ônibus desceu e informou ao jovem que aquela era a derradeira condução para Goiânia naquele dia.

Alex disse secamente:

— Aguardo uma amiga.

* * *

À noite quando o centro se tornou deserto e Alex já não acreditava ver ali qualquer alma viva, surgiu no horizonte uma silhueta engraçada de passos rápidos e ginga ébria.

O homem que se definiu nos contornos da silhueta, tinha rosto alegre e transmitia uma confiança até então nunca sentida por Alex.

Um cumprimento rápido e o desconhecido contornou uma latinha de cerveja e continuou seu percurso ainda quatro metros até que Alex o interrompesse:

— Aonde vai?

O sujeito virou sem titubear e respondeu:

— Vou a uma boate.

— Vai dançar? — indagou Alex com grande e inesperado entusiasmo.

— Não, não vou…

— Então o que vai fazer lá? — insistiu.

— Tenho que reencontrar alguns amigos.

— Por que não dança?

— Não sei… — o andarilho pensou em responder, e se vendo em interrogatório replicou — Ei! O que você está fazendo aqui?

— Eu? — perguntou Alex a si mesmo — Bem, eu… estou esperando uma amiga.

O desconhecido percebendo haver algo obviamente estranho, insinuou:

— Esperando uma amiga… sei… Sei bem o relacionamento que você deve ter com ela…

— Quê? — questionou Alex.

O desconhecido se abriu em gargalhadas dissimuladas.

— O que você está imaginando? — perguntou Alex.

— Nada, ainda… Conte mais um pouco.

— Contar o quê? Eu conheci uma garota na Igreja, a acompanhei até o ponto e… — Alex calou ao perceber o quanto aquilo não fazia muito sentido…

Vendo os traços passionais no rosto de Alex, o transeunte da noite, lembrou de uma miraculosa história ouvida pelas madrugadas.

— Meu nome é Jorge, e o seu?

— Alex.

— Bem, Alex. Cuidado com as mulheres da noite… O que vai fazer agora?

— Esperar. Ela vem de ônibus.

— Ônibus. Os ônibus não voltam antes das cinco horas. O que acha de caminharmos um pouco; me lembrei de uma história.

— Adoro histórias! - exclamou Alex.

— Então me acompanhe, e preste atenção, pois a história que tenho pra contar é verídica, aconteceu com a amiga da empregada da vizinha de Teresinha, uma gracinha de dezenove anos que conheci numa festa em Goiânia, a qual infelizmente nunca mais vi. Ela me disse sobre este fato que aconteceu aqui em Anápolis, no ano passado. Os acontecimentos que envolvem os instantes em que esta pequena narrou a mim tal história são tão surpreendentes quanto à própria narrativa. Porém, minha modéstia me inibe, e por isto passo a contar apenas o que ouvi:

Isabel dizia palavras frias em sua tentativa de afastar de si, Juraci, jovem acanhado de comportamento ilibado…

Juraci mantinha o sorriso e a amizade intensa enquanto ouvia atentamente as palavras abrasivas ditas por sua paixão.

[…] — não te quero próximo, alimentando seus desejos, alimentando seus desejos e ideias de que pode mudar quem eu sou.

Juraci ouviu estas últimas palavras e partiu…

Seis meses passam rápido, e passou… Demoraram horas, dias, talvez semanas para que a imagem do jovem apagasse quase que completamente das lembranças da pequena. E esta, solitária num banco de um parque se pusesse, a orar em seus pensamentos: “És justo viver assim, só sofrer, só sofrer? Por que Vós não pudestes ser mais claro ao me ajudar?“.

Como por milagre um senhor de vestes velhas e sorriso agradável aproximou-se e assentando junto à moça queixou:

— Tantas queixas, tantas queixas!

— Não me queixo com você! — replicou Isabel sem se tocar que suas orações eram imperceptíveis a quem a observava.

E o visitante olhando para o céu suplicou:

— Dê-me paciência.

Isabel se levantou incomodada pela presença, quando o velho a interrompeu:

— Espere! O que você queria? Asas, trilha sonora? Estou aqui para responder suas perguntas.

— Deus!? — perguntou Isabel em tom quase de desespero.

— Não, Augustus o mensageiro a seu dispor.

— Não mereço, não mereço! Perdão Senhor — suplicava a garota.

— Ah, é certo que não merece, contudo, tua fama já está crescendo, ninguém faz mais nada lá em cima. Você pede, pede, pede, agradece um pouco e pede mais…

— Pensei que estivesse sozinha — disse a jovem em tom de lamento.

— Como pode? Um ser não conseguiria reclamar tanto sozinha, sem acreditar haver alguém no oculto a assistir. E já continuando de modo a terminarmos este papo o mais rápido possível. Poderia me dizer o que mais você quer?

— Eu? Nada! Tudo é lindo, é maravilhoso, as pessoas são boas.

— Poupe-me deste papo de quem viu anjo, e solte as reclamações.

Isabel pensou alguns segundos enquanto Augustus resmungava baixo, e então falou:

— Minha vida… sei que a quero, sei que é um dom de Deus, só que sofro, porque tenho muitas dificuldades. Eu vivi muitas coisas que me deixaram longe de Deus, e eu ofendi meus pais, eu roubei, me entreguei a luxúria, eu…

Isabel é interrompida por Augustus:

— Eu sei! Sou um anjo se você precisa se confessar, procure um padre, tem uma Igreja há duas quadras.

— Eu sou evangélica! — exclamou Isabel.

O velho impaciente advertiu:

— Eu sei, eu sei! Não existe nada que eu não saiba sobre você. Você vai ou não vai me fazer uma pergunta?

Isabel olhando o horizonte continua a falar em tom de lamento:

— Eu busco o caminho certo, mas sou fraca, sou facilmente seduzida pelos prazeres mundanos — o velho bocejava e Isabel continuava — sou volúvel, sou pecadora… — depois de uma pausa como se suspirasse – Que seja! Quero saber o porquê do sofrer? Se Deus nos ama tanto por que permitiu que eu vivesse tudo aquilo? Por que ele me abandonou? Por que sofri? Por que…

Augustus a interrompe:

— Uma de cada vez!

— Tudo bem, — disse Isabel — responda, por que Deus me deixou sozinha?

— Como ousa dizer que Ele lhe deixou sozinha! — o velho se irritou.

— Sou eu que faço as perguntas? — replicou Isabel.

— Então se insiste nisto, devo te relembrar algumas coisas. Lembra quando partiu de casa, não deu a mínima aos sentimentos de sua família, preocupando-se unicamente com você. Como é egoísta, vivendo só por seus caprichos, trocando suas palavras, seu achar, e até seu corpo por um agrado que correspondesse unicamente a sua satisfação, lembra-se? Quantas coisas fez de errado… Ele poderia ter lhe dado as costas, mas sua infinita misericórdia a trouxe de novo a tua família, e você? Nem se quer O ajudou. Tão somente começou a questionar tudo e a todos, com teu jeito vazio e solitário… Ele lhe deu um mundo de oportunidades, novas e saudáveis. Ou você pensa que o que possuí vem do suor de seu rosto… em? E a última, antes que eu vá embora! Aquele garoto colocado em seu caminho? Poderiam ter sido felizes, mas você o desprezou…

Intrigada Isabel o interrompeu com uma pergunta:

— Quem?

— Aquele moreno, o… De cabelo grande, o…

— Fábio? — perguntou Isabel

— Não este não.

— Alberto?

— Também não!

— Eduardo?

— Não, não, não…

— Luís?

— Claro que não!

— Natanael?

— Você lembraria, se concentrasse nos últimos seis meses.

— Estou falando dos últimos seis meses — disse Isabel.

O velho se colocou de joelhos no chão, levantou os olhos para o céu e orou:

— Senhor por que insiste?

Voltando a se sentar, continuou:

— É ju ou jo… Juvenal, não, não…

— Juraci! — exclamou Isabel.

— É esse! — gritou o velho, antes de continuar — Você e o Juraci poderiam ter sido muito felizes, mas você… não aceitou…

— Você tem certeza que está falando da pessoa certa?

— Claro que tenho! Nós anjos nunca erramos — disse Augustus em tom esnobe.

— E eu posso fazer algo? — perguntou Isabel.

— Deve! — respondeu o velho — A partir de hoje terá que ser feliz, pois Ele disse que não podemos mais te carregar, esta é a sua vida, se você precisar de ajuda, só teu anjo da guarda poderá interceder e agir por você. Suas preces serão ignoradas, porque você é dada como uma… — o velho pensou — … você é dada como uma… — pensou mais um pouco — Como uma chata!

Então o velho se levantou, e fitando-a disse aos berros:

— Seu único objetivo é ser feliz e fazer os outros felizes. Compartilhar o verdadeiro amor de Deus, este é seu único trabalho para o resto de sua vida. Adeus!

E assim o anjo partiu e deixou Isabel a pensar. Minutos depois, não muito longe, Augustus e Juraci se encontravam.

— Eu disse tudo o que você me falou, e acrescentei algumas palavrinhas que, a meu ver, possa ajudar — disse Augustus.

— Que palavrinhas? — perguntou Juraci.

— Só palavrinhas no contexto; disse que ela devia ser feliz tinha de ser feliz, pois era o que Deus quer pra ela… Coisa e tal.

— Será que não estamos cometendo um pecado? — questionou Juraci.

— Não mentimos. Vá pra casa, ela deve te ligar.

— Não sei como posso lhe agradecer?

— Comece-me pagando os 100 reais do combinado.

Naquele dia, já às vinte e três horas da noite, na casa de Juraci, o telefone tocou, era Isabel que o cumprimentou com grande alegria. O jovem manteve certa tristeza consequência da culpa. Ela nunca me ligaria por sua vontade, pensava Juraci. Mas a pequena o empolgava, e entre “saudades” e elogios, uma só, foi à suma: valeu muito os 100 reais gastos.

Marcaram um encontro num parque. Lá sentados juntos, ficaram a falar sobre as coisas boas que poderiam fazer. E neste meio chega-pra-cá, chega-pra-lá, os dois flertaram e se aproximaram.

— Estou pronta… quero! — disse Isabel.

Juraci permaneceu quieto então a jovem continuou:

— Não me importo que você alimente seus desejos. Verdade é que eu gosto. É bom saber que você acredita em mim, em meu caráter.

— Bom, bom mesmo — disse Juraci.

— Então acredito hoje, que possamos ser felizes… — Isabel deu uma pausa e continuou — Podemos ser felizes, irei me aplicar em mudar… em deixar de ser tão fútil…

— É… ê? — perguntou Juraci.

— Ê… fale algo!

— Falar? — questionou Juraci — Falar o quê?

Falar de novo aquilo — Isabel tentava lembrá-lo.

— Aquilo? — o rapaz ficou intrigado.

— É! Aquilo que você já disse, não seja imbecil.

Então o jovem respirou profundamente e disse:

— Eu quero namorar você, e você quer namorar comigo?

E Isabel disse: “Sim”, e eles se abraçarão e se beijaram, e… foi isto. Eles viveram felizes…

Até o outro fim de semana quando Juraci e Isabel chegaram à Igreja. Isabel que se empolgara à perda do receio quase traumático que tinha por aquele ambiente sacro, seguiu até o bazar da Igreja onde procurava comprar uma Tau, um pequeno T conhecida cruz usada por São Francisco de Assis.

Enquanto comprava seu primeiro símbolo cristão, teu jovem amor foi surpreendido por um encontro inesperado.

— Juraci! — disse Augustus empolgado.

— Que faz aqui? — questionou o interlocutor.

— Venho participar da missa.

— Aqui? Não pode! Aqui não. Isabel está aqui.

Mas a advertência era tardia. A jovem já os observava… Augustus sorriu e disse com simpatia:

— Vim ver como estão.

Isabel fez uma cara estranha, como se acreditasse, mas Juraci cansado com tudo disse:

— Se me ama de verdade, então pode saber. Eu paguei 100 reais para que ele lhe dissesse tudo aquilo no parque.

Isabel ficou estática por quatro segundos, então deu as costas para Juraci, e se afastou enquanto ouvia as súplicas do rapaz para esperar. Mas ela desprezou as palavras do jovem. Ela o desprezou.

Alex ouvia a história absorvendo dela o pouco que podia compreender. Jorge interrompeu a narração e o questionou:

— O que acha?

— É justo, ele a enganou.

— Mas pela primeira vez Isabel poderia ser feliz.

— Ser feliz com alguém que a enganava? — questionou Alex.

— Não, mas sim ser feliz com alguém que verdadeiramente a amava.

— Eu não entendo porque ela deveria. Corresponder a um amor não é uma obrigação.

— Mas respeitar é.

— Ela deu as costas pra ele. Se não tivesse feito isso teria dito algo terrível, assim, ela o respeitou.

— Mas as coisas não são assim… — Jorge fez uma pausa, continuou caminhando enquanto seu pensamento o afastava dali.

Alex o trouxe de volta:

— Tem algumas coisas que eu não sei ainda, não é?

— Sim, você não sabe o mau gosto que Isabel tem para homens.

— Mau gosto para homens, como é isto?

— Antes que eu continuei a história para você compreender tudo deixe eu te contar um enigma.

— Enigmas? Ótimo, eu adoro charadas.

— Não é bem uma charada, nem propriamente um enigma. Responda-me o que acredita ser certo. Um jovem encosta seu carro numa esquina escura da cidade, naquelas que se encontram prostitutas baratas que cobram uma mixaria e fazem de tudo. Este jovem já foi perguntando quanto iria custar se ela o acompanhasse a um motel. A prostituta, uma garota de poucas esperanças e nenhum sonho disse-lhe o modesto valor que cobrava por uma noite de programa. O jovem a conduziu ao motel e lá… bem, na manhã seguinte o jovem sem dar explicações pagou a garota mais do que o triplo do combinado. Naquela mesma noite outro jovem, um pouco mais extrovertido que o primeiro, parou o carro em frente à casa de um colega da faculdade onde acontecia uma festa. Ele se aproximou de uma garota sonhadora que caminhava pela multidão, e a chamou para um canto. Lá, ele a encheu de promessas fáceis, a beijou, e ao amanhecer saíram d'um motel. Então. Qual jovem é mais bem-visto pelas “pessoas”, o jovem que sai com prostitutas, ou o sedutor, que encanta as garotas com suas palavras, e cheiro de desodorante caro.

— Não me enquadro em nenhum dos jovens citados, mas o primeiro saiu com uma prostituta. — um muxoxo de nojo foi sussurrado por Alex

— Uma prostituta, sim. E se'eu te contasse que na tarde seguinte, aquela prostituta se deitou num colchão jogado no chão do quartinho que morava, e por se sentir valorizada, d'uma forma nunca sentida, se colocou a sonhar. Viu-se em um escritório, arrumando papéis, cheia de responsabilidades. Enquanto naquela mesma tarde, a outra garota, caminhou inquieta pela casa esperando uma ligação que nunca iria acontecer. E não demorou até que esta se colocasse *** de frente ao espelho buscando nos traços de seu corpo responder à pergunta fixa em sua mente. Por que ele não ligou? Não demoraria até que conclusões viessem, e esta acreditasse que o problema fosse nela; seus sonhos de se casar, de família; talvez fosse seu jeito tímido, comportado, infantil; e logo a garota sonhadora deixaria de ser sonhadora, se tornaria mais fútil… então?

— Pensando assim… você afirma que o garoto que saiu com a prostituta a transformou numa sonhadora, enquanto o outro transformou uma sonhadora numa garota digamos fútil?

— É uma afirmação um tanto questionável. Os homens que saem com as prostitutas de certa forma contribuem, incentivam elas a continuarem nesta lida. Eu foco a valorização, a recompensa. O jovem que valorizou a prostituta de esquina e a fez sonhar, se envergonharia de contar a alguém que transou com esta, e mesmo que contasse a um amigo íntimo, nunca diria ter visto nela valor. Ao contrário do jovem que frustrou os sonhos da garota, pois este com certeza não saciara em contar esta história na mesa de um boteco, e ainda ouvira de seu pai a satisfação de ter seu filho, um varão.

— Não consigo julgar isto, o que é?

— Alienação, meu novo amigo, alienação. Mas por hora deixe que eu termine o que comecei, continuando a história. A noite era fria, e Isabel manteve um orgulho que faltava em Juraci. Assim foi à casa uma amiga e se juntou a um grupo indo para a boate, a que vamos agora.

Juraci e Augustus participaram da missa e na hora que saia da Igreja, Isabel entrava na boate onde um jovem de rosto alegre e vigoroso se aproximou:

— Boa noite?

— Péssima — respondeu Isabel.

— Quer conversar?

— Não.

— Então vamos só beber.

Isabel bebeu, dançou e ao fim da noite estava entre beijos e amassos num canto escuro da boate.

Enquanto isto numa rua escura da cidade:

— Sabe que ela não é sua? — questionou Augustus a Juraci.

— Sei — respondeu Juraci

— Também sabe que não tem mais obrigação para com ela?

— Também sei.

— Então por que insiste?

— Porque a amo…

— Como pode amá-la, se ninguém mais a tem estima. Nem mesmo sua família, você sabe.

— Se ela soubesse que tudo o que fiz foi por seu amor… — Juraci se sentou no meio fio e como os olhos cheios de lágrimas suplicou a Augustus sua intercessão.

— Você parece Isabel suplicando por misericórdia depois de cada erro. — disse Augustus mascarando a dor em sua consciência. Vacilou alguns segundos que pode, mas logo se virou para Juraci e continuou — Bem, lhe digo pela última vez. Desista, ela não merece você.

— Eu a amo. — sussurra Juraci.

— É eu sei… Então lhe dou as últimas instruções. Isabel voltou àquela boate. Desta vez entre! Ela deve estar com algum daqueles caras cujo nome, quem sabe? Deve transar com ele, e só a misericórdia de Deus poderá tirá-la desta vida.

— A misericórdia d'Ele é infinita — disse Juraci

— Toda misericórdia d’Ele agora, é você… Vá! Sem medo, que Deus te acompanhe… os anjos não entram lá.

Juraci caminhava com dificuldade entre as pessoas, naquele ambiente que o causava ojeriza. Quando chegou ao extremo oposto a porta, virou por intuito irracional e viu Isabel sendo arrastada para fora por um homem. Com dificuldade retornou o mais rápido que pode. Chegando à rua viu o carro partir para direção norte. O veículo tomou um retorno a 50 metros e Juraci atravessando a rua se colocou à frente para interceptá-lo.

O carro brecou, e o motorista colocando sua cabeça para fora do veículo, insultou o jovem e mandou que saísse.

— Isabel! — gritava Juraci.

Ela está comigo, vai caçar outra! — disse o rapaz ao volante.

— Isabel, quero falar com você!

O carro continuou seu percurso em primeira marcha atropelando lentamente Juraci que se colocou sobre o capô. O rapaz que dirigia o carro, então parou, desceu e segurando Juraci pelo pescoço o ameaçou: — Você quer morrer? Então toma!

Após uma forte surra Juraci foi jogado em direção a calçada. Chocando a cabeça contra o meio-fio perdeu a consciência.

Às cinco horas quando Isabel saia do Motel, Juraci entrava no centro cirúrgico de onde viria a morrer alguns minutos depois.

Ao final da longa narrativa, Jorge calou-se. Já estavam em frente à boate. Alex ficou intrigado, sem compreender o significado daquela narrativa. Houve apenas silêncio entre os dois. Silêncio que perdurou por quase dois minutos, até ser quebrado por Alex:

— Ê? — questionou Alex…

— Não se apaixone, para que o preço de seu sangue não seja a sua ruína… — disse Jorge.

— Uma interpretação de Eclesiástico capítulo nove…

— A coisa mais corajosa que um homem pode fazer, é se apaixonar por uma mulher…

— Isto já foi dito por alguém… — replicou Alex.

— É já foi mesmo… — Jorge olhou em direção a boate e apontou a uma mulher que estava na esquina. — Vê aquela mulher na esquina.

— A prostituta? — perguntou Alex.

— Sim, ela… Aquela é Isabel.

Alex fixou os olhos naquela mulher enquanto sentia uma leve vertigem.

— Por alguns trocados terá uma péssima noite de sexo. É uma mistura de amassos e esfregação, parece masturbação… Agora, se a encontrar antes das dez, horário que ela chega àquela esquina, e a elogiar seus cabelos; e oferecer um lanche… então ouvirá histórias inacreditáveis.

Jorge cruzou a rua. Alex permanecia olhando a mulher na calçada, em seu semblante um misto de espanto e curiosidade. Já distante o nobre narrador ouviu um berro; um questionamento que a seu modo se fazia bastante insistente e estúpido:

— Vai dançar?

— Não meu jovem… — respondeu Jorge percebendo que em Alex só reinava a inocência — Não há dança há estas horas. Apenas bêbados e as histórias que procuro. Volte para casa menino, se é que tem uma…

Jorge sorriu amargamente, pois sabia que nem todas as fábulas, contos ou ensinamentos do mundo, livraria Alex de enfrentar seu destino.

Continuar a leitura... >>

parte_i_capitulo_03.txt · Última modificação: 17/01/2024 03:50 por admin

Donate Powered by PHP Valid HTML5 Valid CSS Driven by DokuWiki